Era aniversário do sr. João, pessoa por quem a comunidade nutria um carinho especial. Queríamos dar-lhe algum presente, prestar-lhe uma homenagem, mas àquela altura ainda não sabíamos bem o que fazer. Na reunião para preparar o evento, ficou clara a disposi- ção: todos/as queriam colaborar e participar de alguma forma!.
Foi assim que ensaiamos uma música para cantarmos, alguém achou uma poesia para ser declamada, outro trouxe um texto bíblico dividido em partes para ser lido em conjunto e ainda elegemos uma pessoa dentre nós para fazer um discurso bem bonito, representando o grupo (porque, senão, todo mundo ia querer falar ao mesmo tempo e havíamos decidido que a visita seria comunitária e não individual).
Com o presente aconteceu a mesma coisa: um trouxe uma caixa bonita, outro um laço de fita, outro uma flor para ser colada na caixa embrulhada com um papel que alguém conseguiu e ainda apareceu um cartão que acabou sendo assinado por todos/as.
Na hora combinada, pareceu que todos/as nós estávamos com os braços estendidos na sua direção, entregando o presente. Quando alguém leu ou cantou, pareceu que todos/as nós está- vamos cantando. E quando a D. Loide, nos representando, dirigiu-lhe as palavras que lhe brotaram ao coração, ouvimos com atenção, concordando com tudo. Afinal, estávamos reunidos para isso. Queríamos, com aquele “momento”, mostrar ao sr. João nosso respeito por sua pessoa, nosso amor, nossa gratidão e nosso desejo de renovar com ele os laços de amizade. No final, todos dissemos algo como “Conte com a gente, sempre!”.
Você, leitor/a, que não é bobo/a nem nada, já percebeu que juntei um pouco de ficção a algo muito comum para falar do tema encomendado pelo Marcelo, editor do EC: a relevância da liturgia na Igreja hoje.
Antes de continuar, deixeme lembrá-lo de que:
1. Principalmente antes do Concílio Vaticano II, no catolicismo, o padre rezava a missa para Deus. Fazia isso de frente para o altar, de costas, portanto, para aqueles/as que se dispunham a assistir (Isso mesmo, as pessoas iam assistir à missa rezada pelo padre em latim, qualquer que fosse a língua local).
2. Uma (repito: uma) das mudanças introduzidas pela Reforma Protestante deu ao culto um caráter comunitá- rio, isto é, o culto deixou de ser realizado por apenas uma pessoa para ser realizado e entregue a Deus por todos/as. Muito parecido com o episó- dio do aniversário do sr. João citado anteriormente.
3. Já no ambiente pentecostal, o culto não é comunitário, mas individual: quem cultua fecha os olhos, ergue os braços e não se importa com o que está acontecendo ao seu lado na igreja. “O importante é que EU estou prestando um culto a Deus!”, afirma com certo orgulho. Daí a liberdade para orar todo mundo ao mesmo tempo, falar em línguas estranhas e desenvolver ações individuais “no Espírito”, como cair, rolar, gritar e outras.
4. A diferença para com o neopentecostalíssimo, no meu entendimento, é que aí o culto já não é mais prestado a Deus, mas a si próprio ou ao líder. “Não vim aqui oferecer nada; vim buscar uma bênção. Para mim!”, diz com razão algum participante das reuniões neopentecostais. Lembrando o aniversário do sr. João, esse iria lá só para comer o bolo. Nesse sentido, reclama do salgadinho e do refrigerante sem ter participado em nenhum momento de sua organização.
Isso posto, vejo que o espaço que me resta é bem pequeno. Mas, tudo bem. Você me entendeu, não? O que eu quis dizer foi que uma (repito: apenas UMA) das fun- ções da liturgia é garantir a participação consciente de porque entende que o evento foi feito para agradá-lo (a si próprio) e não para homenagear o sr. João. Reclama do que não gostou no culto pelo mesmo motivo todos/as e o aspecto comunitá- rio da celebração. Sem liturgia (a qual, por favor, desnecessário dizer, mas, vá lá, é muito mais que programa de culto: estende-se à decoração, aos gestos e movimentos, aos sons e até aromas) corremos o risco de transformar o culto em show, em programa de auditório, em tempo de expressões de egoísmo e individualismo e até, Deus nos livre disso, em oportunidade para cultuarmos a nós mesmos. Sem liturgia, corremos o risco de nos esquecermos de nossa identidade protestante. Sem liturgia, o aniversário do sr. João não seria uma homenagem prestada a ele por todos nós, em conjunto, reunidos para isso.
* Fernando Cezar Marques, Presbítero da Igreja Metodista do Brasil, atualmente em licença para estudos. Este artigo foi publicado pelo expositor cristão. Para ver o texto original abra o link: http://issuu.com/expositorcristao/docs/expositor_cristao_setembro_2015?e=9321723/15146678