Pontos de destaque:
- O autor, Fábio Fonseca do Nascimento, transformou o que era inicialmente um trabalho acadêmico de conclusão da sua pós-graduação, em uma publicação que registra a ação metodista brasileira diante da crise migratória mundial;
- O investimento da UMCOR foi essencial para realizar a produção de kits de acolhida para recém-chegados do país vizinho, depois de uma longa e exaustiva jornada;
- O evento de divulgação do livro da Universidade Metodista de São Paulo, UMESP, no dia 22 de novembro, reuniu acadêmicos, imigrantes e metodistas que acreditam na importância do trabalho social da igreja.
As ações de metodistas ao redor do mundo diante da atual crise migratória mundial não têm passado desapercebidas pelas comunidades impactadas e por autoridades locais, mas no Brasil, a iniciativa que visa aliviar as dores da jornada migratória de muitas famílias, virou livro.
A obra “Metodistas Acolhem e Cuidam – o acolhimento da Igreja Metodista aos (i)migrantes venezuelanos no Brasil”, escrito por Fábio Fonseca do Nascimento, identifica elementos que caracterizam a crise humanitária que levou à migração massiva da população venezuelana para países vizinhos da América Latina nos últimos anos. O autor, doutorando e mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, UMESP, aborda em sua obra o projeto nacional promovido pela Igreja Metodista brasileira, em 2019, que contou com o investimento da UMCOR, sigla em inglês para o Comitê Metodista Unido de Alívio da Igreja Metodista Unida.
A equipe editorial Pluralidades, responsável pela publicação através da editora Recriar, explica que a obra traz uma reflexão teológica e pastoral a partir das importantes contribuições da tradição wesleyana e da teologia latino-americana. “Essas duas realidades, a migração venezuelana e a tradição teológica wesleyana, embora distintas, se encontram nesta obra a partir de um engajado compromisso social e reflexivo do autor, que não se esconde quando as críticas são necessárias”, explica o time que coordenou a publicação.
No dia 22 de novembro, a Universidade Metodista de São Paulo, UMESP, promoveu uma conversa com o autor para divulgação do livro. O evento reuniu acadêmicos, imigrantes e metodistas que acreditam na importância do trabalho social da igreja, e contou com uma caminhada entre biblioteca, capela e área externa, para representar as diferentes abortagens do livro sobre a caminhada de pessoas em situação de migração.
A venezuelana Francis Irina Salazar Arevalo, trabalhava em uma exposição sobre a crise migratória para o Museu da Imigração em São Paulo, quando conheceu Fábio Fonseca e sua pesquisa sobre a atuação da Igreja Metodista no norte do Brasil. Francis fez amizade com Fábio e colaborou com o livro, enquanto partilhava com o mundo através de seu trabalho, como é a realidade de quem viveu nas tentas oferecidas na cidade de Pacaraima, no estado de Roraima, pelo Projeto Acolhida do Governo Federal brasileiro e a Acnur, a agência da ONU para refugiados. “A gente chega quebrado, com dor, e não só dor física porque não tem chinelo ou pela fome, mas também dor por gente que você deixa para trás. E as igrejas, sobretudo a Metodista, que tem uma posição forte lá, ajuda com esperança”.
Segundo a Unicef, a maioria dos imigrantes venezuelanos entra no país pela fronteira norte do Brasil, no estado de Roraima, e se concentra nos municípios de Pacaraima e Boa Vista, capital do estado. Ainda conforme dados partilhados pela agência, apenas entre janeiro até agosto de 2024, mais de 60 mil refugiados e migrantes entraram no Brasil por Pacaraima, representando uma média de 250 pessoas por dia. Destes, aproximadamente 21 mil são crianças e adolescentes (4 a 17 anos). Muitas chegam sozinhas ou com pessoas que não são suas responsáveis legais.
Durante sua fala no evento de divulgação do livro, Francis falou sobre a dificuldade de se comunicar ao chegar no país. “O Fábio era um dos poucos que tinha paciência para entender o que eu dizia na época”, contou. “Encontrar um espaço de acolhida onde nos sentimos em família é muito importante para mim”. Sobre a valorização e o respeito à cultura venezuelana, Francis ressaltou como é importante que as igrejas que atuam em Pacaraima, estejam se empenhado para deixar as pessoas em situação de imigração confortáveis, tanto com a língua quanto a cultura. “É importante nos fazer sentir que temos um espaço, mesmo com as diferenças, que mudou os céus e a terra, mas que seguimos sendo ‘nós’”, explica.
Uma das pessoas que visitou pessoalmente o trabalho desenvolvido pelo Projeto Metodistas Acolhem e Cuidam, foi a tesoureira da área nacional da Igreja Metodista, Eizel Ladeia. O objetivo principal era acompanhar o investimento financeiro dos recursos enviados pela UMCOR, mas em sua partilha aos presentes no evento de divulgação do livro, ela contou com emoção como foi constatar a importância da ação. “A situação em que o imigrante chega em Boa Vista é de extrema necessidade, então o kit de emergência atendeu o que eles precisavam naquele momento, não só o alimento, mas receberam um chinelo, um calçado, porque muitos vieram a pé e caminharam muitos quilômetros para chegar lá”, contou Ladeia.
O livro recém-lançado e o projeto da área nacional da Igreja Metodista brasileira carregam o mesmo nome: Metodistas Acolhem e Cuidam. No ano de lançamento do projeto, 2019, a Igreja divulgava como tema anual os cuidados com o meio ambiente. “Cuidar do Meio Ambiente também significa cuidar da criação, da humanidade e de unir esforços para que o planeta, nossa casa comum, seja um lugar de abrigo para todos e todas”, afirma o texto de divulgação oficial do projeto, feito pela Igreja Metodista brasileira, destacando ainda que o projeto é inspirado na origem, identidade e tradição wesleyana que ensina a acolher todas as pessoas.
A Igreja Metodista brasileira historicamente se mostra relevante no enfrentamento de problemas sociais e na defesa dos Direitos Humanos através de seus projetos e pastorais atuantes em todo o país. A orientadora do trabalho acadêmico que deu origem ao livro, Dra. Clarissa de Franco, falou sobre a relevância da ponte entre academia, comunidade e religião. Ela é professora titular dos Programas de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde e em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, e é ligada aos estudos de direitos humanos, decolonialidade e gênero, mas orientando a pesquisa de Fábio Fonseca, ela se aproximou das questões de migração e dos espaços de resistência criativa, criados a partir da crise migratória e do trabalho metodista. “Pelo que a gente acompanhou da pesquisa do Fábio, tem muitos trabalhos bonitos sendo realizados, que realmente estão olhando para a pessoa migrante e trazendo um aspecto humanitário, de primeiras necessidades, do acolhimento... Por outro lado, a gente tem um olhar crítico também. A gente entende que não são todos os trabalhos que estão sendo apoiados, falta uma diretriz maior para que esses trabalhos se tornem mais sistematizados entro da igreja, mas é um excelente trabalho que tem acontecido”, afirmou.
O autor, Fábio Fonseca, entende que a Igreja Metodista tem potencial de enfrentamento à crise migratório, a partir da sua própria teologia. “Ela (a Igreja Metodista) consegue perceber o ser humano como um ser humano integral, então ela não vai ver somente o espiritual, ela vai ver também o que ele precisa para ser integral em sua existência”, explica Fábio, ao expor seu ponto de vista sobre a missão dos metodistas.
“Nesse primeiro momento de acolhida, a um imigrante ilegal por exemplo, o ideal é uma instituição religiosa, que vai acolher, ajudar a regularizar a sua documentação, vai servir como aproximação entre instituições governamentais e esse imigrante que acaba de chegar no território brasileiro”, defende Fonseca.
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Sara de Paula é jornalista freelance e tradutora independente. Ela está baseada em São Paulo, Brasil.